A versão do MST (e de Luis Fernando Veríssimo, Eduardo Galeano e Boaventura de Souza Santos)

Sobre as imagens de tratores derrubando laranjais, que foram noticiadas como mais uma das ações brutais do Movimento dos Sem Terra (MST) contra proprietários de terra, na Fazenda Capim, região central do estado de São Paulo.

Abaixo, no fim desse post, um manifesto assinado por Luis Fernando Veríssimo, Eduardo Galeano e Boaventura de Souza Santos, entre outros, que alegam que as imagens veiculadas pela mídia são uma forma de criminalizar o Movimento para impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola. Os parâmetros para medir a produtividade de uma terra no Brasil são de 1975, o que facilita que proprietários aleguem produtividade em suas terras mesmo que elas, na verdade, não estejam sendo aproveitadas economicamente. Assim, se mantém a concentração de terras no Brasil e os proprietários conseguem impedir a realização de reforma agrária com seus terrenos.

Antes de colar o manifesto, porém, considerações que explicam outro lado e o por quê da ação, retiradas de notas no site do MST, uma divulgada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outra do gabinete do deputado Dr. Rosinha.

Faltou ouvir a versão do Movimento antes de dar à notícia esse tom de brutalidade "Oh! Estão destruindo as plantinhas!".

Mas essas plantinhas, conforme divulgado em nota no site do MST, são da empresa Cutrale, que forma, junto com outras 3 empresas, um cartel com mais de 50 milhões de pés de laranja e que pratica concorrência desleal, tendo pelo menos 5 processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Seus donos são réus em processos por formação de cartel e posse ilegal de armas de fogo.

Isso ainda não seria motivo para destruir as plantinhas. Afinal, o dono da terra tem o seu direito de plantar. Só que aquelas terras com laranjais, que a mídia mostrou como sendo invadidas e denegridas pelos MST, não são da empresa. As terras são do poder público e a Cutrale as invadiu. Isso se chama grilagem. Invadem, plantam, utilizam-se de falsas alegações ou documentos e depois pressionam para conseguir a posse da terra.

Ainda segundo a versão do MST, a Cutrale também já foi autuada diversas vezes por impactos ao ecossistema, poluição ao meio ambiente e lançamento de esgoto sem tratamento em rios.

Eu não destruiria laranjais, mas já os movimentos sociais se utilizam de estratégias políticas, porque é só assim que ganham algum espaço para serem ouvidos. Não é só de plantinhas que estamos falando, mas de sistemas injustos e exploratórios.

A seguir, o manifesto:

"Manifesto em defesa do MST

Contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais

As grandes redes de televisão repetiram à exaustão, há algumas semanas, imagens da ocupação realizada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em terras que seriam de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo.

Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça. Trata-se de uma grande área chamada Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares. Desses 30 mil hectares, 10 mil são terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas e 15 mil são terras improdutivas. Ao mesmo tempo, não há nenhuma prova de que a suposta destruição de máquinas e equipamentos tenha sido obra dos sem-terra.

a ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários desejando produzir alimentos.

Bloquear a reforma agrária

Há um objetivo preciso nisso tudo: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola - cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 - e viabilizar uma CPI sobre o MST. Com tal postura, o foco do debate agrário é deslocado dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo. A revisão dos índices evidenciaria que, apesar de todo o avanço técnico, boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos alegam e estaria, assim, disponível para a reforma agrária.

Para mascarar tal fato, está em curso um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST. Deste modo, prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira.

O pesado operativo midiático-empresarial visa isolar e criminalizar o movimento social e enfraquecer suas bases de apoio. Sem resistências, as corporações agrícolas tentam bloquear, ainda mais severamente, a reforma agrária e impor um modelo agroexportador predatório em termos sociais e ambientais, como única alternativa para a agropecuária brasileira.

Concentração fundiária

A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, conforme o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. As pequenas propriedades estão definhando enquanto crescem as fronteiras agrícolas do agronegócio.

Conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2009) os conflitos agrários do primeiro semestre deste ano seguem marcando uma situação de extrema violência contra os trabalhadores rurais. Entre janeiro e julho de 2009 foram registrados 366 conflitos, que afetaram diretamente 193.174 pessoas, ocorrendo um assassinato a cada 30 conflitos no 1º semestre de 2009. Ao todo, foram 12 assassinatos, 44 tentativas de homicídio, 22 ameaças de morte e 6 pessoas torturadas no primeiro semestre deste ano.

Não violência

A estratégia de luta do MST sempre se caracterizou pela não violência, ainda que em um ambiente de extrema agressividade por parte dos agentes do Estado e das milícias e jagunços a serviço das corporações e do latifúndio. As ocupações objetivam pressionar os governos a realizar a reforma agrária.
É preciso uma agricultura socialmente justa, ecológica, capaz de assegurar a soberania alimentar e baseada na livre cooperação de pequenos agricultores. Isso só será conquistado com movimentos sociais fortes, apoiados pela maioria da população brasileira.

Contra a criminalização das lutas sociais

Convocamos todos os movimentos e setores comprometidos com as lutas a se engajarem em um amplo movimento contra a criminalização das lutas sociais, realizando atos e manifestações políticas que demarquem o repúdio à criminalização do MST e de todas as lutas no Brasil."

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