Belo Horizonte desprotegida: Operação Urbana do Isidoro

É assustador o que está acontecendo em Belo Horizonte.

Primeiro, a proibição de eventos culturais na Praça Sete, belamente combatida por um grupo de jovens que tomou a PRAÇA transformando-a em área ocupada, PRAIA. Depois, o cancelamento do FIT - Festival Internacional de Teatro, evento tradicional da cidade, decisão que acabou sendo revogada. O FIT vai acontecer, mas a organização está completamente desarticulada, por causa de cortes e boicotes da Prefeitura.





E agora, uma campanha tem alertado a população para o Projeto de Lei 820/09 de reformulação da Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade. O Projeto, já aprovado em 1o. turno, será votado em caráter final na semana que vem, possivelmente em sessões extraordinárias, e até então não foi debatido com a sociedade. Áreas verdes como a Mata das Borboletas, no Sion, a Mata do Planalto e, o mais assustador, a Mata do Isidoro, na região norte, poderão ser extintas.

A chamada Ocupação Urbana do Isidoro permitirá a supressão dessas matas em benefício de interesses imobiliários. Serão 72 mil apartamentos ao valor médio de R$ 100 mil, numa área de 6 milhões de metros quadrados que concentra 29 nascentes e cursos d´água. A Prefeitura garante 50% de áreas verdes, mas os críticos alegam ser insuficiente.

Segundo reportagem publicada no Jornal O Tempo, a Prefeitura de Belo Horizonte ignorou um estudo encomendado em 2002 pela antiga administração, que classifica 29 cursos d’água da região do córrego do Isidoro como "classe especial", ou seja, são de grande importância ambiental. Ainda segundo o jornal, deverão ser reassentadas as famílias que vivem há anos na região, incluindo uma comunidade quilombola remanescente.
Já reportagem publicada no Jornal Hoje em Dia mostra que os empreendimentos servirão ao setor hoteleiro, num projeto que tem sido chamado de Vila da Copa, em referência à Copa de 2014. Segundo os defensores do projeto, a expansão urbana para aquela região, depois da mudança do Centro Administrativo do Governo Estadual, seria inevitável.

- Foto do Ribeirão Isidoro de autoria Antônio Ruas. www.manuelzao.ufmg.br

Segundo campanha promovida pelo vereador Iran Barbosa, para manter a nova fronteira de ocupação urbana, a Prefeitura (PBH) deve gastar mais de R$ 99 milhões, valor equivalente ao atual orçamento da Regional Venda Nova, que tem a mesma estimativa de população. Mas a arrecadação em IPTU que as novas moradias vão gerar é inferior a esse valor: R$ 50 milhões. Segundo procunciamento de Barbosa, em reportagem do Jornal Hoje em Dia, a proposta (que já tramita na Câmara desde outubro de 2009), se for aprovada, vai acabar com cerca de 6 mil metros quadrados de área verde. “Hoje é reserva ambiental. Eles querem revogar este status para passá-lo a área de preservação ambiental de grau dois. Assim, podem construir no local”, afirmou o parlamentar. As construções representam um acréscimo de 250 a 300 mil pessoas no Vetor Norte da Capital, mais trânsito para as avenidas Antônio Carlos, Pedro I e Cristiano Machado.

"Essa é a última área vazia, sem prédios de Belo Horizonte,e também das últimas com grande cobertura vegetal. A capital está totalmente construída, sobrando apenas 4% de áreas desocupadas. A Granja Werneck e demais regiões do Ribeirão Isidoro representam 90% dessas áreas que restam"- afirma o engenheiro Fernando Viana Werneck, um dos proprietários da Sociedade Anônima Granja Werneck, em reportagem de Flavia Ayer e Gustavo Werneck para o Jornal Estado de Minas.

A mobilização popular gerou ao menos requerimento de Audiência Pública, emergencial, antes que o Projeto seja votado.

EVENTO: AUDIÊNCIA PÚBLICA
Assunto: Alteração urbana da área do Isidoro, localizada na região norte de Belo Horizonte, provocada pelo Projeto de Lei 820/2009,
Data: 19/04 (segunda-feira)
Horários: 9 horas
Local: CMBH – Plenário Helvécio Arantes – Av. dos Andradas, n. 3100, bairro Sta Efigênia.


Dandara

Penso nas correlações que esse movimento de ocupação urbana do Isidoro pode ter com a repressão social e governamental que sofre a Ocupação Dandara, mais de 4000 pessoas sem-casa que foram viver em barracas pedindo a posse de uma antiga fazenda no bairro Céu Azul.

A área de 40 hectares, próxima à Lagoa da Pampulha, cuja propriedade é defendida por uma construtora, estava sem uso e sem função social. A construtora inclusive estava inadimplente com o pagamento de IPTU. Segundo artigo de Frei Filvander, a empresa deve mais de 2 milhões em imposto e "é ré em mais de 2.500 processos na justiça, o que pode ser comprovado nos arquivos do Tribunal de Justiça". As pessoas que para ali se mudaram pedem o direito básico de moradia; o direito à cidade.

A Ocupação Urbana do Isidoro, que leva o título desse post, vem responder a essa demanda por casa, mas apenas parte do empreendimento é destinado a moradias populares. O problema dos reassentamentos de quem já vive no Isidoro há anos é outra questão por resolver. E, ao mesmo tempo, diversos terrenos dentro de áreas nobres estão sem uso, à mercê da especulação imobiliária, desrespeitando a função social da propriedade, premissa básica do Estatuto das Cidades.

O pensamento de que pessoas como as que ocuparam a Fazenda no Céu Azul, da Ocupação Dandara, estão invadindo propriedades privadas e cometendo crimes não é exclusividade da Prefeitura. É reflexo de como pensam os belorizontinos, e mostra como a propriedade privada tornou-se maior do que a diginidade humana e o direito de abrigo. As pessoas estão ficando frias e pouco solidárias. Importa mais uma posse do que a solidariedade com quem precisa. Em recente reportagem no Jornal Estado de Minas a Ocupação Dandara foi taxada pelas pessoas como lugar de desordem e violência. A idéia é empurrar o problema da falta de moradia ao invés de ajudar a resolvê-lo.  

A carta-resposta de um juiz que concedeu liminar favorável à Dandara no demorado processo para definir a posse do terreno é uma tentativa de enfrentar esses "medos" da sociedade mineira, publicada parcialmente pelo jornal. Leia a seguir:

"Li, com bastante atenção, a carta enviada à Redação pelo leitor Almir Pazzini Lobo de Freitas, intitulada “crítica à sentença a favor de invasores”.

A cartinha encaminhada pelo Sr. Almir demonstra uma grande indignação com uma decisão por mim proferida acerca de uma contenda envolvendo um imóvel de propriedade da Construtora Modelo Ltda, localizado na confluência de Belo Horizonte, Ribeirão das Neves e Contagem.

(...)

...o que busquei ao deferir a posse em caráter provisório para os moradores da Comunidade Dandara nada mais foi do que calcular o peso do direito à moradia no confronto com o direito à propriedade tendo como balança (ou fiel) a dignidade da pessoa humana, que são, os três, princípios constitucionais.

Esse cálculo quanto aos direitos em confronto mostrou o meu intento de evitar, ao longo do tempo (para o futuro), que mais pessoas continuem vivendo sem dignidade e que por isso não se realizem enquanto seres humanos. Assim, realmente não contabilizei os dinheiros que o Município de Belo Horizonte despenderá como prejuízos, mas como investimentos para elevar todos aqueles que estão desprotegidos socialmente em nossa Capital. Aliás , o Estado (Município, Estado e União) só serve enquanto se constituir em meio para realização do ser humano, e, por ser humano devemos ter em medida todos os brasileiros, independentemente da condição social.

Manoel dos Reis Morais

Juiz de Direito Titular da 6ª Vara da Fazenda Pública"

A carta na íntegra pode ser lida em https://docs.google.com/Doc?docid=0AVk_PB7xrQxiZGRqcnBtcV81NWMzNDY0ZmR6&hl=en

Mas a decisão do Juiz já foi sobreposta. A liminar que ele concedeu em favor de Dandara já não vale mais e o movimento de sem-moradia está prestes a ser despejado. Se forem expulsas de lá, para onde vão essas famílias? Certamente não para a tal Regional Isidoro já que os apartamentos construídos por lá serão vendidos à classe média. Como conciliar a cidade que não pára e só cresce com o direito de todos de ter um abrigo digno?

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi Marina.
Certamente o pessoal da Dandara ao ser cumprida a reintegração de posse a seus verdadeiros donos, irão para suas casas. Não nego que lá tenha pessoas necessitadas uns 10% do total talvez. Moro ao lado e sei tudo o que acontece ali.E a violencia aumentou sim e muito. Marcos

marinautsch disse...

ei Marcos. Obrigada pelo comentário. É bom ouvir outras opiniões. Eu já fui ao Dandara e sei das muitas pessoas que se aproveitam do movimento e entram lá no meio sem ao menos compartilhar das reflexões que ele propõe. Mas também vi lá dentro as muitas pessoas que estão lá porque precisam e acho que precisamos de melhores soluções de infra-estrutura urbana do que simplesmente tirar elas de lá... Mas estou aberta a mudar de ideia. Afinal, é necessário que isso aconteça na porta de nossa casa para saber realmente como é uma situação dessas.

Anônimo disse...

A verdade é que a prefeitura nao esta aprovando nenhum projeto enquanto a nova lei de uso e ocupação do solo não sai.

Corrigindo... quem molha a mão de um certo "despachante" influente da prefeitura, esta furando a fila e tem seus projetos aprovados (ou ao menos protocolados e avaliados antes da nova lei).

Valor medio cobrado pelo "despachante" influente por furada de fila: R$10.000,00

Se for para a regiao do Buritis ou do Castelo que sofrerao redução em seus coeficientes: R$20.000,00

Investiguem e comprovarão.

marinautsch disse...

Oi Anônimo,

A denúncia é grave. Não saberia nem por onde começar a investigar...Espero que alguém que leia isso se habilite e mande mais informações pra cá.

Sobre essa nova Lei de Uso e Ocupação do Solo, o que você tem a dizer?

A vereadora Luzia Ferreira respondeu a um e-mail meu argumentando que a nova Lei de Uso e Ocupação vai ajudar a regular a região do Isidoro; que o índice de ocupação lá vai ser baixo, e a área mínima exigida por lei a ser preservada vai aumentar.

Olha só: "As diretrizes adotadas no projeto atual, que está sendo interpretado de maneira equivocada, visa à maior conservação da área não ocupada, na tentativa de minimizar questões acerca da fragilidade geotécnica da região do Isidoro. Vale ler com atenção o projeto e comparar com os parâmetros atualmente adotados.

Por exemplo, a taxa de ocupação da lei atual tem um coeficiente para a taxa máxima de ocupação no valor de 0,5; o projeto propõe a alteração para 0,2 para ás áreas de proteção elevada, grau dois. A área de grau um se torna não parcelável."

"Em resumo se fizermos um comparativo entre os parâmetros atuais e os propostos, verificaremos que se estima uma redução da taxa de ocupação, um aumento da taxa de permeabilidade, aumentando de 4.350.000 para 6.250.000, o que em termos de percentual passa de 45% para 65%; concentração da densidade construtiva em áreas que não sejam geotecnicamente frágeis."

Isso foi o que a Luzia disse. Confere?