A seguir, a continuação da matéria que publiquei na Revista Planeta no ano passado. O link para ler a primeira parte está no final desse post.
Inteligência natural
Os permacultores
temem que o modo de vida moderno – baseado no consumo de recursos não
renováveis e no descarte de lixo em quantidades crescentes – acabe levando à
extinção da humanidade. Diante disso, propõem redesenhar o espaço
humano como um sistema semelhante à natureza, onde nada é desperdiçado. Tudo o
que morre nos sistemas naturais vira fonte de riqueza para produção de nova
energia. “A permacultura é uma metodologia de desenhar, de projetar, de
planejar e de viver um sistema humano sustentável”, explica Suzana Maringoni.
“Assim, pode beber de muitas fontes e usar de muitas técnicas, como a metodologia
Fukuoka de agricultura natural, por exemplo, ou a agroecologia.”
O permacultor
organiza a vida e a produção observando os fatores que influenciam seu entorno.
Começando pela casa, buscará construir com os materiais disponíveis,
aproveitando ao máximo as energias da natureza que poderão lhe ajudar. A
ocupação humana será pensada de forma a interagir positivamente com fatores
como o Sol, o vento e as águas.
O permacultor mineiro
Marconi Junior, coordenador do Sete Ecos Sistema de Expansão em Tecnologias
Ecológicas e Sociais, em Sete Lagoas (MG), exemplifica: “Quando comecei a
trabalhar na terra, meu principal desafio era o vento que muitas vezes castiga
mais os cultivos do que o Sol, carregando nutrientes e secando o solo. Por meio
da permacultura, aprendi a ter uma visão ampliada, considerando as conexões que
existem nos sistemas. Hoje, vejo o vento que incide aqui no Sete Ecos como algo
que agrega valor. Ele auxilia na produção de energia e incrementa os sistemas
produtivos. As sebes e os barraventos de árvores e espécies altas protegem os
espaços de produção, tornando-os, também, áreas de preservação e de
conservação”.
Marconi Junior com uma amostra da terra, produzida para
adubar os cultivos, feita a partir do lixo da cozinha, restos de poda e capina
das agroflorestas e dejetos animais.
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Marconi reitera que o
desenho dos espaços, desde a moradia até as áreas produtivas, deve ser
integrado, considerando todos os fatores que influenciam. Uma árvore poderá ter
a função de produzir alimentos, mas também oferece sombra e contribui para a
infiltração da água no solo, além de cobrir a terra, evitando que os nutrientes
sejam lavados pela chuva e que o solo seja secado pelo Sol. As folhas que caem,
por sua vez, são alimento para a terra, isto é, matéria orgânica para adubo do
solo.
Procurando imitar a
inteligência da natureza, os permacultores buscam dar sempre mais de uma função
aos elementos dos sistemas que criam, garantindo a ideia de gerar sempre mais
energia do que consumo. Essa é a filosofia que pode garantir que a vida humana
na terra seja permanente, não fadada à extinção.
Lesmas e patos
A visão ampliada é um
dos princípios postulados por David Holmgrem nos estudos da permacultura. Para
o criador do conceito, “o problema é a solução”, e isso torna possível
enfrentar qualquer desafio, desde que se mude o foco do olhar.
Uma das assertivas
mais repetidas por permacultores é a frase bem-humorada: “Você (ou seu sistema
ou cultivo) não tem um problema com o excesso de lesmas, mas uma deficiência de
patos”. De fato, observando a natureza, todo sistema ecológico saudável se
mantém em equilíbrio dinâmico. Com isso, torna-se autorregulado, sendo
desnecessárias a interferência humana e a adição de recursos externos.
Em termos ideais, os
permacultores buscam construir sistemas de habitação, de produção de alimentos
ou cadeias produtivas e redes comunitárias conectadas à geração da energia de
que necessitam, capazes de se manterem por si sós.
Outra precursora da
permacultura no Brasil, a americana Marsha Hanzi, moradora do sertão da Bahia,
desde 1976, ressalta que “a agricultura norteamericana produz nove vezes menos
por metro quadrado do que a agricultura familiar chinesa”. Segundo Marsha, as
monoculturas, que ocupam grandes extensões de terra plantadas com uma única
espécie, exigem mais gasto de energia e aporte de insumos externos (como
agrotóxicos e adubos químicos), do que os modelos de agricultura baseados nos
ecossistemas naturais, agroflorestais e policulturais autorregulados.
Marsha Hanzi |
Vivendo há dez anos
no Marizá Epicentro de Cultura e Agroecologia, na cidade de Tucano, Marsha
defende “o uso intensivo dos espaços, trabalhados de forma orgânica para
produzir alimentos de alta qualidade, em vez de cultivos extensivos produzidos
com defensivos químicos, máquinas e pouca diversidade e vida, totalmente
insustentáveis”.
Nos grupos de
permacultura, a questão da fome é considerada como um problema de distribuição
de alimento, não havendo escassez. A literatura permaculturista afirma que a
produção mundial de grãos já atinge um volume capaz de abastecer três vezes a
população do planeta. O desperdício chega a 40% do total produzido.
Bill Mollison
ressalta que o primeiro passo para a mudança é pautar cada ação individual pela
ética do cuidado com todos os seres. Pensar sistemicamente exige tornar-se
responsável pelas mazelas do mundo e realizar cada pequena ação com consciência
do todo. A permacultura se propõe como uma revolução permanente, mas não mais
como antes, com movimentação de massas e grandes confrontos. Agora, é a vez do
indivíduo e da ação individual, do poder pessoal como ativador de uma
alternativa planetária.
Para ler a primeira parte dessa matéria, clique aqui.
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Um comentário:
Muito legal esta revolução silenciosa. Realmente da para fazer mais com menos...
Gostei muito da ideia de sistemas integrados e dá vontade de aprender mais sobre o assunto.
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